domingo, 15 de agosto de 2010

"Violência Urbana" [ESTADO DE MINAS]

"VIOLÊNCIA URBANA
400 contra 1 usa a história do Comando Vermelho para abordar relações sociais e políticas atuais

MARCELLO CASTILHO AVELLAR
Sexta-feira, 6 de agostode 2010


Muita gente não sabe, mas sofre até hoje as sequelas de um dos mal feitos da ditadura que oprimiu o Brasil entre1964 e 1986: o crime organizado responsável por boa parte da violência urbana ao nosso redor é filho de uma das decisões incompetentes dos governos militares. Sem saber exatamente o que fazer com seus presos políticos e sem paciência para lidar com os criminosos comuns por meios tradicionais, a ditadura frequentemente acabou juntando uns e outros nos mesmos presídio se aplicando a todos o mesmo dispositivo legal – a famigerada Lei de Segurança Nacional. Entre as consequências perversas disso está o fato de que delinquentes que até então agiam individualmente ou se reuniam em pequenos grupos mais ou menos caóticos adquiriram conhecimentos de estratégia, tática, organização, disciplina, planejamento. 400 contra 1, dirigido por Caco Souza, é baseado no inspirado no livro homônimo e autobiográfico de William da Silva Lima – articulador do Comando Vermelho, uma das maiores organizações que nasceram daquele encontro entre prisioneiros há décadas.

No filme, William é interpretado por Daniel de Oliveira. O ator está se transformando no símbolo máximo dos rebeldes dos anos 1960, 70 e 80. Já foi Cazuza, Stuart Angel, Frei Betto – o anarquista que tenta fazer de sua própria vida a revolução e é vitimado pelas consequências dessa atitude em seu próprio corpo, o revolucionário que opta pela ação direta e acaba assassinado pela ditadura, o religioso que compactua com os rebeldes e conhece os porões da repressão por causa disso. William acrescenta uma nova faceta a essa multipersonagem: o homem cuja ação não é, inicialmente, conscientemente política ou ideológica, mas ao se politizar, torna-se ainda mais subversiva que a dos que se direcionam pela ideologia.



Clique para ver a reportagem completa.



400 contra 1 ganha ao se apropriar dessa imagem que o espectador de cinema tem de Daniel de Oliveira. Mas sua força vem, também, de outras fontes. Caco Souza é daqueles cineastas que aceitam a imagem “suja”, fora dos padrões assépticos da telenovela ou da grande produção americana. Transforma-a em metáfora da sujeira na sociedade que retrata. E faz isso dentro de uma estrutura temporal extremamente elaborada: seu filme é ágil na maneira como salta das origens do crime organizado num presidio durante os “anos de chumbo” da ditadura para o início dos anos 1980, a explosão das ações do Comando Vermelho. De brinde, sua reconstituição de época tem momentos preciosos: a perseguição de um fusquinha que leva criminosos por outro fusquinha, da polícia, por uma estrada, é exemplo brilhante de como um pequeno detalhe pode fazer diferença para definir todo um período. É mais um filme que tenta compreender a questão da violência no Brasil. Há quem não goste de ver o tema nas tela. Mas se considerarmos a importância que, segundo pesquisas, a população dá ao problema, não é surpreendente que a produção cinematográfica nacional se volte tanto para ele. Dentro dessa vertente, 400 contra 1, ocupa um espaço mais voltado para a conscientização do espectador que para a sensação. Não importa o quando o drama de suas personagens seja emocionante – há algo de épico (no sentido brechtiano) no filme. Quer nos ajudar a compreender o objeto de sua abordagem e, consequentemente, aproximar-nos de nosso mundo em suas relações sociais e políticas. E o Comando Vermelho é ótimo pretexto para esse processo. Não é uma organização, é um comportamento, uma forma de sobreviver”, nos diz William. Talvez o crime organizado tenha crescido exatamente porque soube propor um modelo para aquela sociedade brasileira não estava preparada – e, portanto, ao qual reagiu das maneiras que conhecia, inadequadas à nova questão."




Nenhum comentário: