SEMPRE GABRIELA
HISTÓRIA DA PROSTITUTA QUE AJUDOU A ORGANIZAR A CATEGORIA, CRIOU ONGS E LANÇOU A GRIFE DASPU CHEGA ÀS TELAS EM FILME DIRIGIDO POR CACO SOUZA, COM VANESSA GIÁCOMO NO PAPEL PRINCIPAL
DA RUA À MILITÂNCIA
Gabriela Leite nasceu em 1951 e começou a trabalhar aos 14 anos como secretária. É casada com o jornalista Flávio Lenz e dirige a ONG Davida (www.davida.org.br), fundada em 1992, no Rio, e a grife Daspu. Desde 1989, a ONG trabalha com prevenção à Aids e a saúde da mulher. Gabriela ajudou e ajuda a criar associações inseridas na Rede Brasileira de Prostitutas, que hoje soma 32 entidades. Ela integra a diretoria para a América Latina do Movimento Mundial de Prostitutas. A Daspu cria roupas inspiradas no universo da prostituição e da periferia, direcionadas a todo tipo de público. As roupas estão à venda na Putique virtual (www.daspu.com.br).
GRACIE SANTOS
Filha, mãe, avó e puta. Parece improvável numa sociedade em que a figura da prostituta é constantemente descolada da realidade. Distante do cotidiano da maior parte das pessoas, habita outro universo, o do proibido – de ser e até dizer. Gabriela Leite experimentou e provou a possibilidade de viver as quatro mulheres em questão e lançou, há dois anos, o livro batizado Filha mãe avó e puta (194 páginas, Editora Objetiva), que dará origem ao longa dirigido por Caco Souza (de 400contra1). O filme, que tem como título provisório o nome da publicação, será rodado em São Paulo, Belo Horizonte e Rio, cidade sem que a diretora da ONG Davida e da grife Daspu viveu e exerceu intensamente a profissão. Para interpretá-la, foi convidada a atriz Vanessa Giácomo. As filmagens serãoem2012. Gabriela Leite confessa que demorou um pouco para assinar o contrato de cessão de direitos para Caco Souza. “Fiquei pensando: será que vai dar certo?Então o conheci melhor, ele é um cara muito legal. Consegue entender minha história sem fazer comparações.” O que a preocupava era “o olhar” da pessoa que contaria sua vida. Caco foi seduzido pela história de Gabriela “porque ela foge desse estereótipo da prostituta que precisa trabalhar, sem dinheiro, que não tem outra opção. É estudante de sociologia na USP e se interessa por esse universo. Quer conhecer e entender o baixo meretrício. Não quis ser prostituta de luxo. Preferiu trabalhar na boca do lixo em São Paulo, no Centro de BH e na Vila Mimosa, no Rio”. Caco Souza gosta de se envolver em histórias polêmicas, “reais, de pessoas fortes, marcantes”. Foi assim em 400contra1, sobre o Comando Vermelho e a vida de William da Silva Lima (Daniel de Oliveira), preso comum enquadrado na Lei de Segurança Nacional. “Não fiz apologia à violência ou ao crime.O que queria era tentar compreender aquela história. Não gosto da polêmica pela polêmica.” No caso de Gabriela, ele diz: “O importante é valorizar essa figura contra esse preconceito besta. As pessoas preferem fingir que não vêem certas coisas. Assim, parece que elas não existem.” Desta vez, o que instiga o diretor é tentar entender a prostituição, “que faz parte da vida da maioria das pessoas, nós homens principalmente. Compreender porque uma mulher de classe média resolve ser prostituta”. Acostumada a todo tipo de discriminação, Gabriela considera “Caco um cara cosmopolita,que vê as coisas de jeito simples”.Na defensiva (não sem razão), ela diz que “é preciso tomar um baita cuidado, porque as pessoas que forem assistir ao filme irão com todas as suas questões”. Para Gabriela, será interessante para reacender discussões, “porque a sociedade vive momento extremamente conservador. É politicamente correta demais. Hoje, não se pode chamar favela de favela, tem que dizer comunidade. Favela é favela, puta é puta.Não precisa mudar os nomes para mostrar que você é politicamente correto”, alfineta.
MILITÂNCIA
Quem leu “A história de uma mulher que decidiu ser prostituta” (subtítulo do livro de Gabriela, em depoimento a Márcia Zanelatto) sabe que esse comportamento firme, sem papas na língua, a acompanha durante toda a vida. “Ter preconceito é muito fácil, são muitos os lugares-comuns.”Fora o que há na própria categoria. “São 30 anos nessa militância e ainda vejo gente falando ‘não quero aparecer, não posso aparecer...’. Então,é sempre assim. Acho que a mudança virá com a mudança da sociedade como um todo.O preconceito não envolve apenas a prostituição. Há muitas coisas que as pessoas carregam.” Mesmo que ainda não tenha assistido ao recém-lançado Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini, com Deborah Secco, ela comenta entrevistas da atriz sobre o lançamento do filme. “Dá a impressão de que prostituta não vive dentro dessa sociedade, não tem filho, não tem vida, não ama, não é uma mulher, é outra coisa. Isso me incomoda.” O início da luta deflagrada por Gabriela foi marcado pelo 1º Encontro Nacional de Prostitutas,em1987, no Rio. “Naquela época, as pessoas estavam mais entusiasmadas. Muita gente participou. Foram mais de 2 mil pessoas ao Circo Voador.Temos um vídeo que mostra o envolvimento das pessoas tentando mudar seus sentimentos”, recorda. As conversas com o diretor foram muito boas. “Caco disse que gosta da minha história exatamente porque ela não tem coisas pra baixo. Não sou de ficar reclamando.Também sou bastante cosmopolita.” Gabriela já leu o roteiro e gostou. “Não terá muito sobre o início da minha vida. Ficará preso ao auge da minha militância, quando descubro sobre as liberdades. Algumas coisas serão mostradas en passant. Não é o caso da parte que diz respeito ao meu pai, que é muito forte.”
SEM GLAMOUR
Caco Souza acha que, nessa história, importante é o conteúdo. “O livro não é sobre experiências sexuais, é sobre a luta dela pelo reconhecimento da profissão, pelos direitos, o trabalho na ONG Davida.” E avisa: “O filme vai mostrar o trabalho social com as prostitutas, a luta contra os preconceitos social e político. Por outro lado, não há como fugir da experiência dela. Como ela resolve conhecer a fundo esse mundo. Vamos nos equilibrar muito nessas duas coisas, na vida dela como prostituta e naquilo que ela busca conquistar socialmente.” Realidade ou ficção? “Gosto da ideia de misturar”, responde Caco. “Não tem essa de glamourizar nem de deixar pior do que já é, pesar a mão para chocar. Isso não me interessa. Quero,como em 400contra1, buscar o que estiver mais próximo do realismo.Tem também o peso da interpretação.” A escolha de Vanessa Giácomo, ele diz, “foi super bacana porque ela não tem o perfil de mulher fatal, tem mais um ar de menininha ingênua, o que é importante para a história. Não que Gabriela fosse ingênua, mas, de certa forma, ela estava descobrindo esse universo. E Vanessa é ótima atriz.” Ainda que considere a sociedade atual politicamente correta demais, Gabriela Leite reconhece que, desde que começou o movimento no Brasil, muita coisa mudou. “Era considerada maluca até pelas minhas colegas. Era muito sozinha nas coisas em que acreditava. Hoje em dia não, tem muita gente interessada, o meio acadêmico e as pessoas das artes ajudam a manter o assunto em pauta. Tanto que já não me sinto aquela solitária.” A produção do filme (no primeiro tratamento do roteiro), ela promete acompanhar de perto. Já conheceu a atriz Vanessa Giácomo. “Gostei muito dela, é simpática, não é metida a grande atriz.” E certamente vai viver uma grande história.
Um comentário:
demais Caco, esse filme será maravilhoso, Gabriela merece um filme que incentive o publico a pensar sobre essas mulheres tão discrimidadas por uma sociedade que não faz questão de conhecer de fato.
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