Por Christian Duurvoort
Vôo Tam A331
Como de costume vou começar esse texto de dentro da cabine do avião que me leva para minha próxima missão. Destino Curitiba…na real um lugar fora do centro a uma hora e meia do aeroporto. Vou para uma Colônia Penal Agrícola trabalhar com detentos que estão regime de semi liberdade e que irão participar da produção de 400 contra 1 contracenando com atores de maior experiência e notoriedade.
Duas palavras me vem em mente Alegria e Dignidade. A minha proposta é restaurar a dignidade e não vender o glamour da celebridade. Assim como fiz na Bahia vou dar o que sei e que o melhor. Não me causa nenhuma estranheza e nem me chama atenção o fato de estar trabalhando com pessoas que tem uma história extraodinária por que é à partir delas que se pode fazer boas histórias. É por que as histórias nunca são comuns, banais elas são exepcionais para permanecerem muito tempo na nossa memória e nos auxliarmos na nossa caminhada pela vida.
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Primeiro dia na Colônia Penal. (...) Chegamos a portaria do presídio. Carteira de identidade e celular ficam retidos na entrada. Vão investigar se temos algo na nossa ficha criminal, o famoso atestado de antecedentes penais. Caso um de nós tenha uma marca na ficha não será permitido o acesso.
Bem vindo ao Sistema. É assim que todos chamam esse lugar. Um lugar esquecido… ou melhor, que a sociedade faz questão de esquecer que isola indivíduos, retiram sua identidade para que ele possa se arrepender do que fez e se regenerar. Uma ação voluntariosa que acredita que o criminoso se regenera por que quer e sozinho. O que na prática não funciona. É muito ingênuo.
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Ouço o discurso institucional que me é dado pelo Chefe de Segurança e também sua opinião pessoal que vem de anos de experiência. Ali são 1400 homens que estão em regime de liberdade semi aberta. Ou seja eles já cumpriram boa parte da sua pena e começam a se reintegrar a sociedade. Estão prestes a receber o alvará do juiz para voltarem a serem homens livres. Ali eles estão sob a guarda do juíz. É ele que decide tudo.
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Christian Duurvoort e os internos da Colônia Penal do Paraná.
Peço para que se aproximam e organizam os uma roda com os bancos. Sentados aqueles homens não representavam nenhuma ameaça para mim portanto me acalmo. começo meu discurso institucional. O filme se chama 400×1. Ele conta a história dos fundadores do Comando Vermelho nos anos 70 relatado por William. Um dos idealizadores e ideólogos do movimento. Eles começam chegando pela segunda vez no presídio de segurança máxima da Ilha Grande, a pior e a mais lúgubre instituição de sistema penitenciário. Lá conviviam presos comuns com presos políticos. Lá eles seriam expostos a um tratamento desumanizante, vil, doente…lá inspirado por ideiais revolucionários decidem formar um grupo para melhoria na prisão e depois para conseguir sua libertação. A organização começa existir depois que o grupo inicial consegue pela força obter a união dos outros presos, rompendo com rivalidades e impondo uma código de disciplina. Foi a primeira tentativa de organização de presos comuns na cadeia e que depois se estendeu para fora dos muros…e que marcou história por que com suas ações coordenadas conseguiram libertar mais presos da Ilha e executar uma onda de assaltos a banco no Rio de Janeiro como nunca se tinha visto antes. Enfim eles estão na base de muita coisa que existe.
A história bem contada e os ouvidos atentos me acalmam mais um pouco. Digo a eles que estou ali para propor para eles participarem das filmagens mas que para isso precisariam passar por um treinamento comigo. Sou interrompido por um dos rapazes que me pergunta por que não fazemos um filme sobre algo atual, uma rebelião ocorrida num presídio aqui no Paraná. Outro me pergunta qual seria seu papel. Se eles receberiam o roteiro… Outro louva a proposta. Dizendo que a arte recuperou ele. Esse me conta que ficou seis meses no isolamento e lá dentro escreveu uma história que foi publicado. Outros me olham com desconfiança… Ouço reclamações sobre o sistema. Ouço que eles estão prestes a sair. Que é bom falar sobre o sofrimento deles.
Falo sobre o que é um ator e que eles seriam atores por que, por menor que seja seu papel, eles teriam uma importância no filme. Afinal o filme trata em grande parte da vida no presídio.
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Foto na Colônia Penal: Christian, o elenco principal e os internos.
Ainda hoje sonho com aqueles rostos. A descontração da foto é o reflexo dos sete dias de trabalho lá dentro. Foram muitas conversas, reflexões sobre a vida, sobre nossas semelhanças e diferenças, sobre o trato humano e o respeito. Logo no primeiro dia de trabalho apliquei os exercícios que utilizo normalmente em aula e que sei provocam um certo estranhamento. Parece infantil ou tolo bocejar ou espreguiçar. Parece louca a proposta de auto conhecimento. De se deixar ver. Eu não deixei de fazer nada mas estava constantemente atento as reações. Os grupos eram muito grandes, quase nenhuma presença feminina, e eu não estava com um assistente para poder dividir comigo a responsabilidade de observar e conhecer aquelas pessoas.
Aos atores profissionais eu disse que o que estava fazendo era fácil para eles mas que a proposta era eles poderem compreender a dor naqueles rostos e se abrirem para que ela ficasse impressa no seu rosto. Também provoquei dizendo que eles não gostariam de trocar de lugar com os detentos.
Christian Duurvoort